
Por trás de orações, cultos e ministérios, há mulheres que sofrem em silêncio, muitas vezes protegendo seus agressores, que podem inclusive ocupar cargos de liderança dentro das igrejas. Foto: Freepik
A violência doméstica é uma das expressões mais dolorosas da desigualdade de gênero e da ruptura da dignidade humana. No Brasil, uma mulher é vítima de feminicídio a cada seis horas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2024). Embora o ambiente cristão defenda os valores do amor, do respeito e da aliança familiar, a realidade mostra que nem todos os lares de fé estão imunes à agressão.
Por trás de orações, cultos e ministérios, há mulheres que sofrem em silêncio, muitas vezes protegendo seus agressores, que podem inclusive ocupar cargos de liderança dentro das igrejas. Uma pesquisa realizada por Valéria Cristina Vilhena durante seu mestrado na Universidade Presbiteriana Mackenzie revelou que cerca de 40% das mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil se identificam como evangélicas.
O levantamento foi feito a partir de relatos colhidos na Casa Sofia, centro de acolhimento localizado na zona sul de São Paulo. Segundo a pesquisadora, muitas dessas mulheres enfrentam barreiras adicionais para romper o ciclo da violência, como a culpa, o medo do julgamento da comunidade religiosa e orientações distorcidas de fé.
Algumas relataram ter sido desencorajadas a procurar ajuda externa por líderes que sugeriam oração e submissão como solução para o abuso, interpretando a violência como prova espiritual ou ação maligna. Embora o estudo tenha sido realizado há alguns anos, continua sendo uma referência importante para refletir sobre a realidade das mulheres evangélicas vítimas de agressão.
Quando a dor se esconde sob o véu da fé
A missionária Meire Castorino, da Igreja Cristã Projeto Ágape, em Juiz de Fora/MG, relata que a violência doméstica está presente em contextos em que menos se espera. “Muitas mulheres sofrem a violência doméstica, porém elas encobrem essa violência, protegem os agressores, principalmente quando se trata de obreiros”, relata.
Segundo ela, a dificuldade em identificar os sinais está justamente na habilidade das vítimas em preservar as aparências. “Quando são obreiros, por exemplo, elas têm ainda uma resistência maior em denunciar, em relatar, em se abrir para outras pessoas que estão vivendo a mesma situação, a fim de manter ali a aparência de um casamento estável, a fim de proteger a imagem desse agressor diante da igreja”, compartilha.
Essa invisibilidade do sofrimento se manifesta, segundo ela, no comportamento. “Muitas vezes a gente vai identificar que uma mulher está sendo agredida ou vivendo tipos de violência por conta do seu comportamento, muitas vezes retraído, recluso, sem muito envolvimento com os demais grupos, com as demais mulheres da igreja”, disse.
Por isso, a atenção pastoral precisa ser sensível. O silêncio, o afastamento e a falta de participação podem ser gritos abafados. Acolher, sem julgar, é o primeiro passo para romper esse ciclo, destaca a missionária.
Muitas não denunciam para manter imagem na igreja
Entre cristãs, há ainda um temor específico, que é o medo de que denunciar um marido agressor possa ser interpretado como fraqueza espiritual ou quebra do compromisso matrimonial. Algumas mulheres são orientadas a “suportar em oração”, esperando que o agressor mude, enquanto continuam vulneráveis.
Meire reconhece esse dilema. “A maneira que a igreja pode acolher essas vítimas é oferecendo aconselhamento pastoral bíblico, tratando com discrição e orientando a vítima pela Palavra de Deus, mas também, em alguns casos, segundo as leis que regem a ‘terra’”, reforça.
A responsabilidade pastoral não se limita à restauração do casamento a qualquer custo. “Embora a igreja sempre vá defender a ideia de restauração familiar e de aliança, é preciso salientar sempre que, em casos de abusos e violências, a vítima precisa de apoio incondicional, principalmente se houver risco de morte”, exorta a missionária.
Essa abordagem está em sintonia com o ensino bíblico. A mesma Escritura que fala sobre perdão também ordena justiça. Em Provérbios 31:8-9, lemos: “Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados”. O cuidado com a mulher vítima de violência é um dever cristão e um exercício de misericórdia.
Quando romper o silêncio é questão de sobrevivência
A vergonha do escândalo e a dependência emocional ou financeira são barreiras reais que impedem mulheres de buscarem ajuda. É por isso que a orientação precisa ser firme, mas compassiva. “Meu conselho às mulheres nessa condição é que busquem socorro em Deus, mas também escapem por suas vidas. Essa foi a Palavra dos anjos que visitaram Ló diante de uma destruição iminente”, Meire aconselha.
A preparação prática também é uma forma de romper com o ciclo de violência. “Oriento também que estudem e tenham uma renda, para que, havendo necessidade de sair da relação, tenham como recomeçar”, explica a missionária para quem o cuidado espiritual não anula a necessidade de planejamento e autonomia.
Além do cuidado com as vítimas, a missionária chama atenção para a educação preventiva. “É preciso ensinar nas bases às meninas, ainda cedo, a observarem a conduta dos rapazes que se aproximam delas, e reforçar o ensino à igreja acerca da submissão que agrada a Deus”, disse. Nesse ponto, cabe à igreja promover um ensino equilibrado sobre papéis e relacionamentos, combatendo qualquer distorção que legitime o controle ou a violência.
A violência contra a mulher é um problema social, jurídico e espiritual. Exige atuação conjunta da justiça, das políticas públicas, da psicologia e, sim, da igreja. A missão cristã é ser lugar de cura e não de omissão.
Reconhecer a existência da violência nos lares cristãos não é uma afronta à fé, mas um gesto de responsabilidade e verdade. O compromisso com o Evangelho inclui proteger os vulneráveis e erguer a voz por aqueles que sofrem. Como comunidade de fé, não basta orar. É preciso enxergar, escutar, acolher e, quando necessário, denunciar.
Comunhão
A violência doméstica é uma das expressões mais dolorosas da desigualdade de gênero e da ruptura da dignidade humana. No Brasil, uma mulher é vítima de feminicídio a cada seis horas, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2024). Embora o ambiente cristão defenda os valores do amor, do respeito e da aliança familiar, a realidade mostra que nem todos os lares de fé estão imunes à agressão.
Por trás de orações, cultos e ministérios, há mulheres que sofrem em silêncio, muitas vezes protegendo seus agressores, que podem inclusive ocupar cargos de liderança dentro das igrejas. Uma pesquisa realizada por Valéria Cristina Vilhena durante seu mestrado na Universidade Presbiteriana Mackenzie revelou que cerca de 40% das mulheres vítimas de violência doméstica no Brasil se identificam como evangélicas.
O levantamento foi feito a partir de relatos colhidos na Casa Sofia, centro de acolhimento localizado na zona sul de São Paulo. Segundo a pesquisadora, muitas dessas mulheres enfrentam barreiras adicionais para romper o ciclo da violência, como a culpa, o medo do julgamento da comunidade religiosa e orientações distorcidas de fé.
Algumas relataram ter sido desencorajadas a procurar ajuda externa por líderes que sugeriam oração e submissão como solução para o abuso, interpretando a violência como prova espiritual ou ação maligna. Embora o estudo tenha sido realizado há alguns anos, continua sendo uma referência importante para refletir sobre a realidade das mulheres evangélicas vítimas de agressão.
Quando a dor se esconde sob o véu da fé
A missionária Meire Castorino, da Igreja Cristã Projeto Ágape, em Juiz de Fora/MG, relata que a violência doméstica está presente em contextos em que menos se espera. “Muitas mulheres sofrem a violência doméstica, porém elas encobrem essa violência, protegem os agressores, principalmente quando se trata de obreiros”, relata.
Segundo ela, a dificuldade em identificar os sinais está justamente na habilidade das vítimas em preservar as aparências. “Quando são obreiros, por exemplo, elas têm ainda uma resistência maior em denunciar, em relatar, em se abrir para outras pessoas que estão vivendo a mesma situação, a fim de manter ali a aparência de um casamento estável, a fim de proteger a imagem desse agressor diante da igreja”, compartilha.
Essa invisibilidade do sofrimento se manifesta, segundo ela, no comportamento. “Muitas vezes a gente vai identificar que uma mulher está sendo agredida ou vivendo tipos de violência por conta do seu comportamento, muitas vezes retraído, recluso, sem muito envolvimento com os demais grupos, com as demais mulheres da igreja”, disse.
Por isso, a atenção pastoral precisa ser sensível. O silêncio, o afastamento e a falta de participação podem ser gritos abafados. Acolher, sem julgar, é o primeiro passo para romper esse ciclo, destaca a missionária.
Muitas não denunciam para manter imagem na igreja
Entre cristãs, há ainda um temor específico, que é o medo de que denunciar um marido agressor possa ser interpretado como fraqueza espiritual ou quebra do compromisso matrimonial. Algumas mulheres são orientadas a “suportar em oração”, esperando que o agressor mude, enquanto continuam vulneráveis.
Meire reconhece esse dilema. “A maneira que a igreja pode acolher essas vítimas é oferecendo aconselhamento pastoral bíblico, tratando com discrição e orientando a vítima pela Palavra de Deus, mas também, em alguns casos, segundo as leis que regem a ‘terra’”, reforça.
A responsabilidade pastoral não se limita à restauração do casamento a qualquer custo. “Embora a igreja sempre vá defender a ideia de restauração familiar e de aliança, é preciso salientar sempre que, em casos de abusos e violências, a vítima precisa de apoio incondicional, principalmente se houver risco de morte”, exorta a missionária.
Essa abordagem está em sintonia com o ensino bíblico. A mesma Escritura que fala sobre perdão também ordena justiça. Em Provérbios 31:8-9, lemos: “Erga a voz em favor dos que não podem defender-se, seja o defensor de todos os desamparados”. O cuidado com a mulher vítima de violência é um dever cristão e um exercício de misericórdia.
Quando romper o silêncio é questão de sobrevivência
A vergonha do escândalo e a dependência emocional ou financeira são barreiras reais que impedem mulheres de buscarem ajuda. É por isso que a orientação precisa ser firme, mas compassiva. “Meu conselho às mulheres nessa condição é que busquem socorro em Deus, mas também escapem por suas vidas. Essa foi a Palavra dos anjos que visitaram Ló diante de uma destruição iminente”, Meire aconselha.
A preparação prática também é uma forma de romper com o ciclo de violência. “Oriento também que estudem e tenham uma renda, para que, havendo necessidade de sair da relação, tenham como recomeçar”, explica a missionária para quem o cuidado espiritual não anula a necessidade de planejamento e autonomia.
Além do cuidado com as vítimas, a missionária chama atenção para a educação preventiva. “É preciso ensinar nas bases às meninas, ainda cedo, a observarem a conduta dos rapazes que se aproximam delas, e reforçar o ensino à igreja acerca da submissão que agrada a Deus”, disse. Nesse ponto, cabe à igreja promover um ensino equilibrado sobre papéis e relacionamentos, combatendo qualquer distorção que legitime o controle ou a violência.
A violência contra a mulher é um problema social, jurídico e espiritual. Exige atuação conjunta da justiça, das políticas públicas, da psicologia e, sim, da igreja. A missão cristã é ser lugar de cura e não de omissão.
Reconhecer a existência da violência nos lares cristãos não é uma afronta à fé, mas um gesto de responsabilidade e verdade. O compromisso com o Evangelho inclui proteger os vulneráveis e erguer a voz por aqueles que sofrem. Como comunidade de fé, não basta orar. É preciso enxergar, escutar, acolher e, quando necessário, denunciar.
Comunhão
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