Para a aprovação em plenário, são necessários pelo menos 308 votos em dois turnos, um cálculo que os apoiadores da proposta acreditam alcançar facilmente, dado o amplo apoio na Casa. Na etapa anterior, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), o governo também não havia apresentado objeções.
Apesar do impacto financeiro em um momento em que o governo busca espaço no Orçamento para manter investimentos e cumprir a meta de déficit zero, o governo pondera que uma resistência à proposta por parte da bancada evangélica acarretaria um custo político elevado.
A relação entre o presidente Lula e o segmento evangélico já é marcada por distanciamento, e a recente comparação feita pelo presidente entre a ofensiva militar de Israel na Faixa de Gaza e o Holocausto gerou críticas do grupo religioso. No domingo, o ex-presidente Jair Bolsonaro reuniu milhares de apoiadores em São Paulo em uma manifestação com forte teor religioso, destacado nos discursos da ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro e na presença do pastor Silas Malafaia como principal líder do evento.
Em um contexto mais amplo, o Palácio do Planalto tem buscado reduzir os atritos com o Congresso, após desentendimentos causados pelo veto de Lula a R$ 5,6 bilhões em emendas de comissão.
De acordo com o deputado Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), autor da PEC, reuniões com a Casa Civil, Fazenda e Planejamento já foram realizadas, e há um compromisso verbal com os governistas para não obstruírem o processo.
O líder do governo na Câmara, deputado Odair Cunha (MG), admite que há uma “tendência” de liberação da bancada.
“Ainda vamos analisar o texto final e deliberar, mas a tendência é não apresentarmos resistência.”
Já o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), diz que há até mesmo a possibilidade de votos favoráveis, já que o impacto financeiro não é considerado significativo.
“Tenho disposição para debater; é uma reivindicação de uma bancada representativa no Congresso que tem diálogo com o governo. Vamos ver como o processo se desenrola na Câmara. De acordo com informações da Fazenda, não é uma proposta que terá grande impacto fiscal. Precisamos discutir o mérito.”
A Fazenda, ao ser questionada, preferiu não comentar sobre os projetos em andamento.
Agora, a bancada evangélica está pressionando o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), para que a PEC seja levada ao plenário até a primeira semana de março. O grupo deseja que a promulgação ocorra pouco antes da Semana Santa, após passar pelo Senado.
Atualmente, os templos religiosos são isentos de impostos sobre patrimônio, renda e serviços considerados essenciais para suas atividades, conforme a Constituição. Com a proposta que avançou na terça-feira, os templos também ficariam isentos de impostos sobre a aquisição de bens e serviços “necessários” para construir e manter o patrimônio, assim como para a prestação de serviços das entidades religiosas, como reformas de igrejas. A isenção também abrangeria tributos indiretos, como aqueles sobre a conta de luz.
Entidades relacionadas a igrejas, como comunidades terapêuticas, creches, asilos e escolas, também seriam beneficiadas, segundo a PEC. O texto original previa que a isenção alcançaria também partidos políticos e instituições sem fins lucrativos, mas essa parte não foi adiante.
“Atualmente, o dízimo é taxado duas vezes: primeiro, quando o trabalhador recebe o salário e é descontado; depois, quando a igreja emprega esses valores novamente e é novamente descontado. Isso vai acabar, já que a isenção abrange reformas e serviços sociais”, explicou Crivella.
Impacto fiscal de R$ 1 bilhão
A isenção dos templos seria realizada através da devolução de créditos em conta corrente das entidades que realizarem os pagamentos. Uma lei complementar posterior estabelecerá as regras para essa devolução até 31 de dezembro de 2025.
Segundo o relator da PEC, deputado Fernando Máximo (União-RO), o governo federal deixaria de arrecadar cerca de R$ 1 bilhão em impostos anuais:
“O impacto fiscal é em torno de R$ 1 bilhão, mas há um retorno direto pelos benefícios que essas instituições trazem para a sociedade. A igreja só poderá se beneficiar dessa isenção se comprovar que o dinheiro usado vem de recursos próprios ou do dízimo e que os valores foram utilizados nessas atividades e obras específicas.”
Como apenas igrejas com CNPJ seriam beneficiadas com as isenções, Crivella prevê que a medida pode aumentar o número de instituições religiosas registradas.
“Atualmente, há cerca de 175 mil templos religiosos com CNPJ, de várias religiões. Sem CNPJ, esse número pode chegar a 500 mil. Acredito que, em busca desse benefício, o número de templos registrados possa aumentar”, afirmou.
Lula já fez gestos para tentar amenizar resistências dos evangélicos desde o início de seu mandato. A Reforma Tributária aprovada no ano passado já havia concedido benefícios. Em fevereiro do ano passado, o PT apoiou a indicação, pela Câmara, do deputado Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR) para o Tribunal de Contas da União (TCU) — o Republicanos é ligado à Igreja Universal do Reino de Deus. A base do governo também endossou um acordo costurado por Lira, que levou o presidente do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), à vice-presidência da Casa. Ele é bispo licenciado da Universal.
Folha Gospel
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