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Ação no STF tenta impedir missionários religiosos em terras de povos isolados


 

A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) entrou com uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) na terça-feira, 8, contra um parágrafo da Lei 14.021 que prevê medidas de proteção para comunidades indígenas durante a pandemia de coronavírus e que diz respeito à permanência de missionários religiosos em terras com povos isolados.

A Apib pede que o STF declare inconstitucional texto do artigo 13 da Lei 14.021 sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro no último mês de julho e que permite a permanência de missionários em comunidades indígenas com apenas aval de equipe de saúde ou médico responsável. Após distribuição do processo no STF, a relatoria do caso ficou com o ministro Luís Roberto Barroso.

Na petição apresentada ao STF pela Apib em conjunto com o Partido dos Trabalhadores (PT), a entidade argumenta que tal parágrafo viola o direito à saúde dos povos indígenas isolados, dada a “possibilidade legal de ingresso e permanência de missões de cunho religioso” nessas áreas.

A entidade ressalta ainda que dentre os povos indígenas não há dúvidas de que os mais vulneráveis são os povos indígenas isolados, “visto que eles estão submetidos, de forma peculiar, a um grande leque de vetores de vulnerabilidade”, seja pela questão imunológica, sociocultural, territorial, politica ou demográfica.

O artigo 13 da lei diz que “fica vedado o ingresso de terceiros em áreas com a presença confirmada de indígenas isolados, salvo de pessoas autorizadas pelo órgão indigenista federal (Funai), na hipótese de epidemia ou de calamidade que coloque em risco a integridade física dos indígenas isolados”, porém, a polêmica está no parágrafo 1° que determina que “as missões de cunho religioso que já estejam nas comunidades indígenas deverão ser avaliadas pela equipe de saúde responsável e poderão permanecer mediante aval do médico responsável”.

No argumento da Apib, esse parágrafo abre uma brecha para a atuação de missionários e religiosos fundamentalistas evangélicos que buscam contato com índios isolados na tentativa de convertê-los para sua religião.

A defesa jurídica da Apib afirma ainda na petição que o parágrafo ameaça a integridade física dos povos indígenas isolados, garantida não somente pela Constituição como também pela Declaração Americana dos Direitos dos Povos Indígenas, de 2016, da qual o Brasil é signatário. Cita ainda como espinha dorsal de seu argumento o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos, cujo artigo 18 defende que a liberdade de crença não pode se sobrepor ao direito à saúde.

“A liberdade de manifestar a própria religião ou crença poderá ser limitada para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas ou os direitos e as liberdades das demais pessoas”, diz trecho da petição ao citar o pacto.

De acordo com revelações de O GLOBO, feitas em setembro, o então coordenador-geral de Índios Isolados e de Recente Contato da Fundação Nacional do Índio (Funai), Ricardo Lopes Dias, tentou quebrar a quarentena da base de proteção na Terra Indígena Vale do Javari, no Amazonas, durante uma missão promovida pela Funai à região, na última semana de agosto, afirmou a chefe substituta da Frente de Proteção Etnoambiental do Vale do Javari, Idnilda Obando, em ofício enviado ao Ministério Público Federal (MPF) e à Diretoria de Proteção Territorial da Funai, a quem Dias estava subordinado. Ele também foi acusado de indicar missionários para trabalhar na evangelização de índios korubo, grupo recém-contatado que habita a região.





Envolto em polêmicas desde o início de sua nomeação para chefiar a coordenação de índios isolados da Fundação Nacional do Índio (Funai), o missionário Ricardo Lopes Dias foi exonerado do cargo pelo Ministério da Justiça no final de novembro. A decisão foi publicada no Diário Oficial do dia 27, sexta-feira. Para o seu lugar, foi nomeado Marcelo Fernando Batista Torres, servidor alocado na Funai do Acre, onde atuava como chefe da Frente de Proteção Etnoambiental Envira.
Acesso à água potável

Denominado Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos territórios indígenas, o projeto que virou lei tinha como objetivo traçar medidas de vigilância sanitária e epidemiológica para prevenção de contágio e disseminação da doença entre os índios dentro e fora dos territórios originários, além de quilombolas, pescadores artesanais, comunidades e povos tradicionais.

Depois de passar pelo Congresso, o presidente Bolsonaro sancionou com vetos a lei para proteger esses povos durante a pandemia, entre eles o acesso universal à água potável; distribuição gratuita de materiais de higiene, limpeza e desinfecção de superfícies; oferta emergencial de leitos hospitalares e de unidade de terapia intensiva (UTI); aquisição de ventiladores e máquinas de oxigenação sanguínea; distribuição de materiais informativos sobre novo coronavírus, além de pontos de internet nas aldeias para facilitar a comunicação com as autoridades de saúde

Ao analisar os vetos de Bolsonaro, o Congresso Nacional votou pela derrubada de 16 de 22 vetos, garantindo o acesso à água potável, considerado um direito essencial.

Ainda no contexto de povos isolados, a lei prevê quarentena obrigatória para todas as pessoas autorizadas a interagir com povos indígenas de recente contato; suspensão de atividades próximas às áreas de ocupação de indígenas isolados; e oferta imediata de testes e equipamentos de proteção individual para os distritos sanitários que atuam junto a eles.

Bolsonaro ainda vetou dois dispositivos que davam prazo de dez dias para a elaboração de um plano de contingência para cada situação de contato com povos isolados e negou a elaboração de um plano de contingência para lidar com surtos e epidemias verificadas nas áreas de índios isolados.

Fonte: O GLOBO


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