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Eleições 2018: Pastores citam candidatos da igreja e mostram inclinação política nos cultos

sUrna eletrônica e a Bíblia
Urna eletrônica e a Bíblia
Entre o fim de agosto e o início deste mês, a reportagem do portal UOL visitou “cultos-comícios” em São Paulo, onde a pregação religiosa confunde-se por vezes com o discurso da política e das eleições nas pregações de pastores e bispos.
A reportagem descobriu que, faltando menos de um mês para o dia dos fiéis-eleitores irem às urnas escolher seus candidatos, igrejas evangélicas e a Igreja Católica em todo o país aplicam estratégias para falar sobre as eleições com suas congregações, tentando não entrar em conflito com a Justiça Eleitoral – que tem considerado propaganda eleitoral irregular, e até crime eleitoral, pedir votos dentro de igrejas.
Assembleia de Deus
Na sede da Assembleia de Deus — Ministério de Madureira, no Brás, zona leste de São Paulo –, das quase três horas de culto, em uma noite de terça-feira, uma hora e meia foi dedicada às eleições.
Desde o momento em que subiu ao palco e pegou o microfone para falar, a partir da metade final do encontro religioso, o bispo Samuel Ferreira não tocou em outro assunto que não fosse o voto no mês de outubro.
“A lei me impede de dizer claramente o que eu tenho de dizer, mas não podem nos calar, vamos orar”, afirmou o bispo. “Ando muito preocupado, não durmo direito de noite. Não podemos virar a cabeça para o outro lado e fingir que não estamos vendo nada. Não podemos ficar quietos.”
Antes de apresentar os dois candidatos oficiais da igreja — o candidato a deputado federal Cezar de Madureira (PSD) e o candidato a deputado estadual Alex de Madureira (PSD) –, pedir votos para os dois e rezar com eles no meio de uma ciranda de pastores, no palco do culto, Ferreira dedicou longo tempo de seu sermão a reflexões sobre as eleições presidenciais e pautas caras à Assembleia de Deus.
Bispo Samuel Ferreira, da Assembleia de Deus — Ministério de Madureira, no Brás, zona leste de São Paulo
Sem citar nomes, torpedeou candidatos ao Palácio do Planalto. “Tem candidato por aí que se diz evangélico, mas disse que vai propor plebiscito para decidir casamento gay… plebiscito para decidir aborto”, disse Ferreira, balançando a cabeça em desaprovação. “Quer dizer, está fazendo como Pilatos, que lavou as mãos. E quando Pilatos lavou as mãos, deu no que deu”, acrescentou, em alusão a comentários feitos pela presidenciável Marina Silva (Rede).
“Tem outro candidato por aí que está prometendo liberar arma para todo mundo. Não sei, não sei… Lá, nos Estados Unidos, um maluco subiu em um quarto de hotel em Las Vegas com mais de 40 armas em uma sacola e abriu fogo lá de cima contra as pessoas que estavam lá embaixo, vendo um show. É isso que queremos por aqui?”, questionou o bispo em alusão a propostas do presidenciável Jair Bolsonaro (PSL).
“O líder nas pesquisas para o Senado simplesmente é contra tudo o que acreditamos”, disse Ferreira em outro momento, em alusão ao petista Eduardo Suplicy. “Outro candidato não foi na Marcha para Jesus a uns anos atrás, mas foi na Parada Gay, quer dizer, escolheu lado, né”, disparou o bispo, em uma truncada referência ao presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB), que, quando era governador de São Paulo, não participou do evento evangélico, mas foi à parada, em 2016.
A isso seguiu-se uma longa conversa sobre a injusta prisão do apóstolo Pedro, de acordo com a história contada na Bíblia. Confusos, alguns fiéis responderam com “Viva Bolsonaro!”, outros (menos numerosos) com “Lula livre!”
Em 2014, a ex-presidente Dilma Rousseff participou de um culto no palco junto com o bispo Ferreira, de quem recebeu o apoio naquelas eleições.
Ferreira não deixou de lado temas caros à igreja, e pregou contra candidatos que defendem o aborto, o casamento homossexual e a liberação das drogas. Disse também que a igreja não pode perder os representantes que já tem, já que estariam para conseguir a tão sonhada concessão de rádio e TV do governo federal e, sem os políticos, o objetivo não seria atingido.
Cezinha de Madureira é deputado estadual desde 2014, quando se elegeu para seu primeiro mandato pelo DEM. Já Alex de Madureira é um dos braços-direitos de Samuel Ferreira e tenta seu primeiro mandato como deputado estadual.
Na saída do “culto-comício”, os fiéis ganhavam na porta do templo santinhos eleitorais que traziam a imagem do líder da igreja junto dos dois candidatos, com a frase “bispo Samuel Ferreira vota” embaixo, acompanhada dos nomes e números dos pastores. No verso, o santinho ainda trazia uma “cola” para a urna eletrônica, com recomendação de voto em Mara Gabrilli e Tripoli para senadores, João Dória para governador e Geraldo Alckmin para presidente, todos do PSDB, partido com o qual o PSD, dos pastores, se coligou.
Procurados pela reportagem, por meio de suas assessorias de imprensa, os candidatos Cezinha e Alex de Madureira e a Assembleia de Deus não responderam. Em artigo escrito para o site “Consultor Jurídico” em 2016, Cezinha defendeu a campanha eleitoral dentro de igrejas.
Universal
No Templo de Salomão, da Igreja Universal do Reino de Deus, também no Brás, a parte comício do culto é mais discreta e dura menos tempo. De cerca de uma hora e meia de culto, apenas a meia hora final foi dedicada às eleições.
Depois de tirar as crianças da sala e exibir o vídeo dos adolescentes com os beijos na boca, o bispo Renato Cardoso foi claro. “Eu tenho candidato, mas não posso dizer quem é.”
“Tenho candidato a presidente, a governador, a senador, a deputado federal e a deputado estadual, mas por causa desse raio dessa legislação eleitoral, eu não posso dizer quem são, senão vão me multar e podem até fechar o templo por uns dias, igual aconteceu com a gente nas eleições passadas, lá no Rio de Janeiro, com o [Marcelo] Crivella [prefeito do Rio de Janeiro pelo PRB e bispo da Universal]”, disse o bispo aos fiéis, ao explicar por que não vai recomendar os candidatos abertamente.
Bispo Renato Cardoso, genro de Edir Macedo
Bispo Renato Cardoso, genro de Edir Macedo
“Informem-se com o pessoal da Igreja. Façam uma pesquisa sobre quem são os nossos candidatos e, depois, falem com os obreiros, conversem com o pessoal da igreja sobre quem são nossos candidatos”, disse Cardoso.
Depois, ele reforçou uma das pautas legislativas caras à igreja. “Um pastor me contou que a professora do filho dele, na escola pública, passou uma lição de casa. Era para fazer uma pesquisa no fim de semana sobre relacionamentos homossexuais”, contou, no púlpito, o bispo. “Aí, na frente da classe, na segunda-feira, era para beijar na boca, na frente de todo mundo, um coleguinha do mesmo sexo. Se fosse menina, beijava menina. Se fosse menino, beijava menino. Isso já está acontecendo nas nossas escolas. Ainda não é lei, mas querem que seja. Isso se chama ideologia de gênero. Não podemos permitir. Por isso, é importante você votar nos candidatos que defendam nossa fé.”
Não há indícios de que a história da lição de casa seja verdadeira. A reportagem pediu mais detalhes do caso para a Universal, por meio de sua assessoria de imprensa, que não respondeu a este questionamento.
Na saída, ao contrário do que acontece na Assembleia de Deus, do outro lado da rua, não há ninguém distribuindo santinhos. Após perguntar a um obreiro na porta, porém, a reportagem do UOL consegue uma indicação de voto: os candidatos do PRB, principalmente os que são bispos e pastores da Universal. Para presidente? “Olha, nosso candidato é o Alckmin, mas o Bolsonaro também é uma boa opção, hein”, diz o obreiro da igreja.
Questionados pela reportagem, alguns fiéis parece concordar. “Só o Bolsonaro para ver se dá jeito nessa pouca vergonha”, diz uma dona-de-casa, de 48 anos, chamada Júlia, que foi ao templo acompanhada do marido. “Falar, todo mundo fala, e chegou nesse ponto. Acho que o capitão vai dar um jeito nos corruptos, ele não tem medo de confronto e tem o Exército atrás dele para garantir”, diz o marido.
O PRB, partido que possui diversos candidatos a deputado estadual e federal nas eleições deste ano, é o partido “oficial” da Igreja Universal do Reino de Deus. A sigla é dirigida por membros do alto escalão da comunidade evangélica, como o bispo licenciado Marcos Pereira, presidente nacional da agremiação partidária. Pereira era ministro da Indústria, Comércio Exterior e Serviços, no governo do presidente Michel Temer, até janeiro deste ano. Ele é candidato a deputado federal por São Paulo.
Procurada pelo UOL, a Universal informa que “protesta e discorda veementemente da exclusão de milhares de lideranças evangélicas de todas as denominações, que representam mais de 70 milhões de pessoas em nosso país, de participarem do processo democrático que deve incluir o direito de expressar opiniões políticas”. A igreja afirma que cumpre rigorosamente as leis do Brasil e dos outros 120 países onde atua. Procurado pela reportagem, o PRB não respondeu.

Renascer em Cristo
No Renascer Hall, a sede da Igreja Apostólica Renascer em Cristo, na Mooca, zona leste de São Paulo, a campanha eleitoral acontece de uma maneira mais discreta e mais direta.
Ao chegar ao templo para o culto noturno, o fiel ganhava na porta um santinho com os candidatos apoiados pelos líderes da igreja evangélica, o apóstolo Estevam Hernandes (foto) e a bispa Sonia Hernandes.
Sônia e Estevam Hernandes, casal líder da Igreja Renascer em Cristo
São os candidatos a deputado federal Marcelo Aguiar e a deputado estadual Pastor Carlos Cezar, ambos do PSB, que aparecem junto com os líderes religiosos em diversas fotos no material gráfico. Na entrada para o culto, o fiel também tem a oportunidade de inscrever-se para receber o material de campanha dos candidatos por e-mail e WhatsApp.
Depois de eleger-se vereador por São Paulo, Aguiar está encerrando o segundo mandato consecutivo como deputado federal. Ligado à Renascer e cantor, é um dos organizadores da Marcha para Jesus, que acontece todos os anos em São Paulo.
O pastor Carlos Cezar também está há duas legislaturas como deputado estadual na Assembleia Legislativa de São Paulo. “Estou deputado, sou pastor”, afirma, no material de campanha entregue na porta do culto religioso. “Faço da minha vida pública extensão do meu ministério”, acrescenta o candidato.
Nos santinhos, chama a atenção o fato de que, na “cola” para a urna eletrônica, no verso, não há indicações de voto para senadores, governador e presidente. Os números estão em branco.
No culto em si, com cerca de duas horas de duração, o apóstolo quase ignorou as eleições, com a exceção de dois momentos nos quais pediu orações para Bolsonaro — o presidenciável do PSL havia sido vítima de um atentado e levado uma facada na barriga, durante evento de campanha em Juiz de Fora (MG), naquela tarde.
Em maio, Bolsonaro foi o único presidenciável ainda no pleito a participar da Marcha para Jesus, organizada pela Universal com o apoio de outras igrejas evangélicas (o então pré-candidato do PRB à Presidência, Flávio Rocha, também participou do evento. A sigla acabou retirando a candidatura e integra a coligação de Alckmin).
Na ocasião, Bolsonaro foi recebido no palco pelo apóstolo Hernandes e pela bispa Sônia, e discursou brevemente. Foi ovacionado, mas também ouviu vaias vindas dos fiéis.
Procurados pelo UOL, a Igreja Renascer e os candidatos Marcelo Aguiar e Pastor Carlos Cezar não responderam.
O que configura abuso de poder religioso?
Considerada normal até as eleições de 2014, quando a Justiça Eleitoral começou a ter um entendimento contrário, a campanha eleitoral dentro de igrejas e templos religiosos ainda é vista Brasil afora.
Não há proibição específica sobre o tema na legislação eleitoral, mas, no julgamento de casos específicos recentes, tanto os TREs (Tribunais Regionais Eleitorais) como o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) têm considerado a campanha política em cultos e missas religiosas como “abuso do poder religioso”.
“Essa figura jurídica, o abuso de poder religioso, não existe na lei”, afirma o advogado Alberto Luiz Rollo, especialista em direito eleitoral. “Mas, de duas eleições para cá, a Justiça Eleitoral tem afirmado isso, em julgamentos sobre este tipo de questão, e dizendo que o ‘abuso de poder religioso’ é análogo ao ‘abuso de poder econômico’, este, sim, um crime previsto na legislação eleitoral.”
De acordo com o especialista, a pregação eleitoral em meio a celebrações religiosas pode ser considerada propaganda eleitoral irregular, dependendo da maneira como for feita. “Se for algo recorrente, o religioso ficar pedindo de maneira reiterada nos cultos voto para determinado candidato, pode até render uma impugnação de registro de candidatura ou cassação da diplomação, se o candidato tiver sido eleito”, diz Rollo.
Na maior parte das vezes, porém, a punição acaba sendo uma multa, que pode ser aplicada à igreja e ao candidato.
“Isso não impede o religioso de declarar apoio e fazer campanha para alguém, o problema é usar a estrutura da igreja para tanto. Se ele for na TV, no horário eleitoral gratuito, por exemplo, pedir voto, não tem problema nenhum”, observa o advogado.

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